Na última terça-feira, (27), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou a nota econômica “O peso do funcionalismo público no Brasil em comparação com outros países”. A CNI aponta que o Brasil é o sétimo país que mais gasta com funcionalismo como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e o desqualifica para justificar os ataques profundos ao serviço público contidos na reforma Administrativa.
O documento, que ganhou projeção em diversos meios de comunicação essa semana, é um recorte de diversos estudos sobre o funcionalismo público no Brasil e mundo. A nota afirma que as despesas com funcionários públicos no país são elevadas para o padrão internacional e que, se não houver mudanças, continuarão a crescer.
Em seguida, a CNI defende mudanças nas regras gerais do funcionalismo público brasileiro, contida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20, que propõe uma desestruturação nos serviços públicos, em especial aqueles relacionados aos direitos sociais garantidos constitucionalmente à população.
Segundo Antonio Gonçalves, presidente do ANDES-SN, a nota da CNI faz parte da estratégia do Capital para pressionar o Congresso Nacional a aprovar a PEC 32/2020. "A CNI distorce dados e faz comparações inconsistentes para construir uma narrativa em defesa da contrarreforma Administrativa e pressionar o Congresso Nacional pela aprovação. Os interesses são indisfarçáveis e consistem em apropriação privada do fundo público. A contrarreforma deve ser derrotada no seu conjunto para avançarmos na garantia de direitos para o conjunto da população", afirma.
Incoerências
O estudo se utiliza de metodologias diferentes ao se referir às despesas com servidores públicos ativos e inativos em proporção ao PIB do país. Em outros momentos, quando estima a quantidade de servidores públicos em proporção aos empregos públicos e privados ou com a população total, considera apenas os servidores ativos. Informações consideradas pela CNI, do Banco Mundial, por exemplo, afirmam que as despesas com servidores públicos, ativos e inativos, no Brasil equivaleram a 13,4% do PIB em 2018 – União, estados e municípios. Já um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia, utiliza apenas a folha de pagamento dos servidores públicos ativos, que representa 10,5% do PIB, em 2017, de acordo com Atlas do Estado Brasileiro, incluindo os trabalhadores terceirizados. O percentual brasileiro é menor do que países, como a Austrália, que o custo com os salários do funcionalismo representa 17% do PIB e da Espanha, 12,2%.
Já os dados publicados este ano pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em um levantamento composto por 35 países, estima que em 2018 a força de trabalho do setor público foi menor nos países da América Latina e do Caribe, 11,9%, do que a média dos países da OCDE, 21,1%. O número de funcionários públicos no Brasil correspondeu a 12,5% do total de empregados. Na Argentina, país vizinho, o total foi de 17,2% da mão de obra total. Quando comparado o número de servidores públicos ativos em relação à população no Brasil, o resultado é de 5,6%, um pouco acima da média da América Latina e Caribe (4,4%). No entanto, esse percentual é bem mais baixo que o encontrado na média dos países da OCDE, 9,6%.
O relatório da CNI cita a diferença salarial dos servidores públicos e privados e compara com outros países. Os altos salários do Legislativo e Judiciário não ganham tanto destaque na nota, assim como a informação de que a reforma Administrativa poupará, por exemplo, militares, juízes, parlamentares e não atingirá as tão comentadas disparidades salariais no serviço público. Ao contrário, a PEC destaca apenas os servidores do Executivo da União, Estados e Municípios.
A nota ainda se utiliza de dados do Instituto Millenium, já denunciado pelo ANDES-SN como uma entidade a serviço do Capital e cujo um dos fundadores é o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, ferrenho defensor da reforma Administrativa.
Fonacate repudia nota
O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que representa mais de 200 mil servidores públicos no país, lançou uma nota na última terça-feira (27) afirmando que não há descontrole ou explosão de despesas com o funcionalismo público no Brasil como sugere o documento da CNI.
“As despesas com servidores no Brasil, em nível federal, estão estabilizadas em percentual do PIB há mais de 20 anos e abaixo do limite permitido pela LRF, mesmo com a estagnação do PIB e das receitas no período recente. Nos níveis estadual e municipal, o crescimento do gasto pós Constituição de 1988 deriva das maiores atribuições desses entes na prestação direta de serviços à população, notadamente em educação, saúde e segurança”, diz um trecho da nota.
De acordo com o Fonacate, o posicionamento da CNI em “atacar direitos sociais e salários, como na reforma trabalhista, e o serviço público, como agora, não vai melhorar a situação da indústria brasileira, ao contrário, a prejudica ainda mais, com o enfraquecimento do mercado interno e a desestruturação das políticas públicas, inclusive a industrial”, finaliza.
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